quarta-feira, 18 de novembro de 2009

esconderijo noturno

Bem que o sol, só por hoje, podia não nascer.
E assim permaneceria embalada por esse silêncio inviolável horas a fio,
Preenchida apenas pela solidão da madrugada,
Sentindo da janela a lua que pálida acalenta, ainda que encoberta.
Sinto, lá fora, apenas os tortos passos dos loucos, bêbados e poetas que andam pela rua a vagar, livres, em paz.
Só por hoje, quero eu também caminhar calmamente nas linhas tortas desses noturnos pensamentos, livremente sossegar.
Ficar apenas assim solta, assim só nesse esconderijo que teci, nada mais.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

agosto através da janela

Sentada em frente a janela, Clara contemplava a chuva que caía em mais um dia cinza de Agosto, que, aliás, geralmente é um mês bem cinzento. Mas, dessa vez, parecia o ser ainda mais - chovia lá fora e dentro dela.
Foi quando Clara flagrou-se pensando em todas as ausências que, naquele Agosto, fizeram-se ainda mais presentes. "Ausências presentes", Clara pensou, "que ironia!". Ausências de que ou de quem, só ela sabe e não importa a ninguém mais. O fato é que ela as sentia e, naquele momento, teve como companhia apenas alguns vultos e remotas lembranças de um passado que ela mal conseguia recordar. Antigamente, Agosto costumava ter mais cor - e essa certeza sim, está nítida dentro dela. Hoje, envolta apenas pelo barulho da chuva incessante, Clara quis desfazer-se de todos aqueles pensamentos tão turvos que, bruscamente, surgiam em sua mente sem ao menos pedir licença, afastando sabe-se lá para onde toda a claridade, toda a cor dos dias de Clara.
Ela, que já fora assim, tão furta-cor. Transparente, também. Digo melhor: toda a cor de Clara transparecia, reluzia em seu rosto. E brilhava, como brilhava aquele rosto tão claro. E apesar da total ausência de brilho daquele momento, é bom lembrar que ela ainda brilha muito vezenquando, em dias claros de céu azul. Mesmo assim, Clara não sabe se realmente sente falta de toda aquela explosão de cores radiantes, mas está certa de que não precisa, de que não quer mais cinzas tão melancólicos.
Então, quando caiu em si, levantou para ver as horas e Agosto já tinha se desfeito pela janela, despedaçando-se pelo chão. Voltou a enxergar sutilmente colorido, e viu centenas de nuances dentro dela. Setembro já havia começado a florir sem que ela percebesse...

quarta-feira, 22 de abril de 2009

insaciável fome de viver

Além de apenas existir, tenho sede de viver e fome de viver a vida longe do óbvio, do comum, do vulgar, burguês e banal - uma vida de limitações faria com que eu perdesse o apetite facilmente.
Tenho sede para desvendar os meus limites, e fome para conseguir ultrapassá-los. Tenho sede de alegria e fome de tristeza - longe de mim a melancolia suicida dos ultra-românticos, quero mesmo é a inconstância, oscilar entre risos e choros (de preferência calados), viver apenas de momentos intensos e senti-los com toda a intensidade que minha fome puder suportar, pois o meu paladar é aguçado, não consegue degustar o morno, o insosso.
Minha fome pela vida grita, lateja, e sacia-se apenas com música, arte, poesia. Minha fome busca sempre mais conhecimento, precisa de diversão, quer cometer loucuras e ter bons momentos com os amigos. Mas apesar dessa fome desassossegada, também sinto fome de calmaria, de viver uma vida tranquila, seja em um outono nublado, ouvindo a chuva cair, entre filmes, livros e cobertores, seja em um final de verão na praia, assistindo ao pôr-do-sol ou ao nascer do dia, areia nos pés, brisa no rosto e toda a imensidão do mar à minha disposição.
Fome por desejo, necessidade ou vontade? Tenho fome de pão e sede de água, também. Mas minha fome é exigente, não aceita migalhas. Eu não quero comida, eu quero saciar minha fome apenas com a vida, sentir fome apenas de viver.



Faltou uns quantos detalhes no texto, mas o tempo está curto e, ultimamente, ando tão sem apetite...
- a angústia que traz a monotonia estreita a minha fome, mas ela segue aqui, é bom lembrar, mais viva do que nunca.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

a sede que aqui grita

O gosto do vazio é o que aumenta a minha sede até a boca restar seca, guardando todas as palavras que não posso - e nunca consegui - verbalizar. Incompreendidas, retraídas, palavras escondidas de sentimentos que também não entendo, apenas guardo. E quem disse que precisa fazer algum sentido?
Já não sei decifrar o que se esconde no mais profundo de mim, há muito tempo perdi a habilidade de ser racional com o que parece impossível de ser racionalizado, embora eu quisesse, e o tempo todo eu quis, ter controle sobre as minhas emoções, engavetá-las até criarem pó, mofando esquecidas em qualquer lugar onde não possam me perturbar. Pois aqui dentro já não há mais espaço algum para elas e o estrago já está feito: essa vontade de sentir não termina mais, os sentimentos se alastram tomando conta de cada pedaço do meu corpo: o coração contorcido, a mente ofuscada, a garganta desidratada que grita, com toda a sede do mundo, pedindo por um pouco de água ou qualquer outra coisa que sacie essa vontade sei lá de quê. Vontade de desaprisionar-se, talvez. De desaprisionar-se dos próprios sentimentos e sentir enfim um pouco de paz.
O problema é que, para libertar-me dos meus sentimentos, da minha sede e da minha vontade, primeiro teria que conseguir revelá-los a alguém, e essa técnica ninguém soube me ensinar. Talvez antes seja preciso sentir total segurança para não dar nenhum passo em falso, ganhar uma garantia, um certificado registrado e carimbado de que vou arrancá-los lá de dentro, com esforço desprendê-los e permitir que se revelem sem causar nenhum arrependimento ou dano depois - uma vez revelados, seria impossível ocultá-los novamente. Ou, talvez, eu devo deixar de lado o medo mesquinha, a insegurança infantil e aprender sozinha a libertá-los, sem precisar de garantia ou coisa alguma. Afinal, ninguém está livre de quebrar a cara alguma(s) vez(es) na vida, mas, mesmo assim, todo mundo deve desacorrentar o que se insiste em aprisionar, e só assim deixar de ser escravo de si mesmo - na teoria. Na prática, até agora, só aprendi mesmo é que entre todas as entregas receosas, as esperas, o cansaço, o vazio da ausência que restou, o que resta é sede, apenas.

"...E eu me pergunto se viver não será essa espécie de ciranda de sentimentos que se sucedem e se sucedem e deixam sempre sede no fim."

Deve ser.

sábado, 7 de março de 2009

lost in wonderland

Perdida em um turbilhão de angústias e incertezas do qual tento, mas nem sempre consigo sair, pensar já é difícil, quem dirá escrever. Então, pra começar, acho que esse trecho da Sylvia Plath, angustiante como a autora, fala por si só:

"Vi minha vida se desenrolar diante de mim como uma figueira de um conto que havia lido. Da ponta de cada ramo, um gordo figo roxo acenava e me seduzia com um futuro maravilhoso. Um figo significava um marido e um lar feliz com filhos, outro era uma poetisa famosa, outro uma professora, outro era Esther Greenwood, a surpreendente editora, outro era a Europa, a África e a América do Sul, outro Constantin e Sócrates e Átila, um bando de amantes com nomes esquisitos e profissões originais, outro ainda era uma campeã olímpica, e acima de todos esses figos havia muitos outros que eu não conseguia entender. Vi-me sentada sob essa figueira, morrendo de fome, só porque não conseguia decidir qual figo escolheria. Queria-os todos, e escolher um siginificava perder o resto. Incapaz de me decidir, os figos começavam a murchar e apodrecer, e um a um caiam no chão a meus pés."

O que se faz quando algumas certezas viram dúvidas? E quando a presença das dúvidas faz-se cada vez mais certa? Escolher o caminho, o que ser, ter que ser, às vezes simplesmente perde o sentido. Por que não posso simplesmente... ser? Ir sendo. Mas tenho que ser, tenho que ser, tenho que ser. É como ser empurrado para subir no palco e entrar em cena antes da hora, ou tarde demais, sem estar totalmente preparado, sem saber a fala, o ato, o roteiro exato. Eu quero entrar em cena e sei como atuar, mas não consigo decidir em qual palco entrar? Às vezes penso que precisaria de mais dez vidas para ser e fazer tudo o que eu quero(ia) nessa vida. Às vezes, acho que não sei como chegar lá, quanto tempo se leva pra chegar e tampouco onde fica. E agora?

Alice precisou se perder para, então, se encontrar...

Cheshire Cat: [reappears] There you are! Third chorus...
Alice: Oh, no, no. I was just wondering if you could help me find my way.
Cheshire Cat: Well that depends on where you want to get to.
Alice: Oh, it really doesn't matter, as long as...
Cheshire Cat: Then it really doesn't matter which way you go.

Síndrome de Alice, sim senhor. E enquanto corro atrás do meu coelho branco, preciso ser menos Alice e deixar de viver em Wonderland - ou talvez reinventá-la. Preciso pensar menos, fantasiar menos e, depois de me perder, tentar, enfim, me encontrar.

terça-feira, 3 de março de 2009

o grave erro de viver arrependido

Arrependimento: ação de arrepender-se, contrição, pesar, remorso. Que atire a primeira pedra quem nunca martelou repetidas vezes na própria cabeça a maldita frase "Ah, como eu queria voltar atrás!" É fato que muitas coisas que fazemos (ou deixamos de fazer) mudam completamente o percurso da nossa vida, muitas vezes de forma irreversível. Mas e se, por isso, resolvêssemos nos punir a cada erro cometido em ações tantas vezes impensadas?Às vezes as coisas simplesmente não dão certo como supomos que deveriam ter sido, e daí? A vida segue e com ela devemos seguir tentando, por vezes acertando e em tantas outras errando, mas sempre com coragem para assumir os próprios erros, dignidade para arcar com as consequências e com elas aprender. Claro que reconsiderarmos nossas ações para não voltarmos a cometer os mesmos erros, ou darmos um pedido de desculpas sincero a quem com elas afetamos (embora essa seja uma atitude custosa para as cabeças mais orgulhosas), são atitudes importantes sim, mas aprender a deixar a lamentação de lado é fundamental. A cada equívoco, tropeço ou deslize, sempre virá o amadurecimento, e cada experiência com eles adquirida será sempre valiosa.
"Se eu soubesse antes o que sei agora, erraria tudo exatamente igual" - por mais que soe clichê, faço minhas as palavras de Humberto Gessinger. Já chorei por bobagem, já comi demais por ansiedade e perdi o apetite quando estive apaixonada, fumei um maço de cigarros para tentar espantar a solidão e bebi até cair de alegria quando estive em boa companhia. Escondi o que sentia por medo de sofrer, mas senti sempre da forma mais pura e intensa. Roubei um beijo, corri no meio da rua, gritei no silêncio da madrugada, fiz loucuras e depois quis esquecer, enjaular os impulsos e jurar que nunca mais faria nada sem pensar.
Mas sempre que isso voltar a acontecer, vou acordar no outro dia, abrir a janela para receber o sol, olhar no espelho e, sem medo, enfrentar a imagem que nele refletir, com todos os erros, defeitos, imperfeições e as malditas olheiras por dormir sempre tão pouco. "Eu não quero ser o que eu não sou, eu não tenho medo de errar." E, quando o medo aparecer e eu prometer a mim mesma que nunca mais deslizo, caio ou tropeço no meio do caminho, vou sair sem rumo por aí para que, no meu caminho, eu tropece de novo muitas vezes até lembrar que o que importa mesmo é viver sem culpa, sem medo de errar.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

notas a (mais) um idiota

Chegou invadindo assim do nada, fez mudar tanta coisa e depois desaparece como se nada tivesse acontecido... me diz, pra quê? "Pessoas que somem não são confiáveis", como disse Fernanda Young. Aliás, poderia citar várias coisas incríveis já ditas por ela sobre essa mesma situação, seria até mais prático, me pouparia de perder ainda mais tempo com inutilidades, mas, não, prefiro que sejam palavras minhas, palavras simples, diretas e, sobretudo, honestas. Podes até procurar motivos para duvidar, mas eu fui honesta o tempo inteiro - honesta e ingênua, ao acreditar que a honestidade era recíproca. Logo eu, que sempre medi tão bem minhas palavras, e sempre encontrei o conforto e a segurança que precisava em quase todos os escudos que criei: sendo fechada, de certa forma permanecia ilesa, embora sufocada, e ao abrir-me demais a alguém que simplesmente não estava disposto a corresponder da mesma forma, restei ferida com as minhas próprias palavras.
É que, sabe, quando falam que gostam de mim, eu acredito - desde cedo fui ensinada a não falar o que não se sente verdadeiramente, "brincar com os sentimentos dos outros é coisa feia", me disseram. E o que espero daqueles que dizem gostar de mim é, no mínimo, que demonstrem. Atitudes valem mais que palavras, já ouviu dizer? Nem precisa ser grandes demonstrações, um simples gesto, um simples abraço, uma simples ligação para justificar o sumiço - eu nunca pedi muito, mas merecia um pouco mais. E tudo o que tive foram algumas poucas palavras vagas, vazias, soltas da boca pra fora... palavras fáceis de alguém que simplesmente não se importa, e nunca se importou. O erro foi todo meu, eu sei, ao esperar demais. Mas não se preocupe, nem se desculpe: de ti, não espero mais nada.

Aos demais seres do sexo masculino (idiotas, em sua maioria), fica a dica:

1) Nunca subestimem a força de nenhuma mulher que já foi enganada, usada, magoada ou qualquer outro desses adjetivos para quem aparentemente está na fossa - no fundo do poço sempre tem uma mola.
2) Acreditam em karma? Nem eu. Mas até Justin já cantou pra Britney a velha história de sempre "What goes around, comes all the way back around", e, quem diria, ela já ficou gorda, careca, louca e sozinha. Coincidência? Vá saber. Lei da vida, suponho. E, fiquem sabendo, ela sim é irônica e sempre se encarrega de dar o troco.

Desabafo mulherzinha-minha-vida-é-uma-novela-mexicana, mas hoje acordei meio Paola Bracho, mesmo.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

quando o carnaval chegar

2009 mal começou e, por enquanto, tudo que me trouxe foram dias de tédio e monotonia. Tento ser compreensiva, tenho um ano inteiro pela frente e amanhã começa o carnaval. Mas o que fazer quando se desaprende a entrar no ritmo? Desaprendi a dançar a dança daqueles que fazem da vida uma folia. Já foram tantos carnavais e vendavais, que tudo o que eu quero, agora, é um pouco de sossego e brisa leve. Prefiro ficar só, prefiro a quietude e, confesso, a monotonia nunca foi tão bem-vinda. Calmaria, sim; tristeza, não. Eu não quero é entrar na folia, meu bem. Já não sei cair no passo, nem vou deixar o frevo rolar. Quero, enfim, um pouco de paz. Todas as fantasias se perderam, mas eu, Colombina desconcertada, desritmada, fico aqui no meu canto, apenas vendo a banda passar.
"Terminado o Carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade." E, agora, eu prefiro nem sair dela. Chega de artíficios, brilhos e alegorias, chega de tanta cor, quando tudo que se enxerga é preto e muito branco: o carnaval terminou.

"...e eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar."

mas agora eu só quero é calar.